quarta-feira, 21 de março de 2012

Uma dose de whiskey

Bonita, jovem e livre. Caminhava pelas ruas de Nova Iorque como uma estrela em ascensão numa carreira solo. Salto alto, cinto de tachas e batom vermelho, escondida atrás de grandes óculos escuros. Todos a olhavam. Era impossível não notar sua ilustre presença. 
Todos sabiam que ela era só. E que não queria mudar isso. Agredia verbalmente todo e qualquer suposto pretendente que tentasse se aproximar. Já deixara claro muitas vezes de que não desejava ninguém em sua vida, a não ser seu pequeno gato siamês, de natureza hostil. Assim como ela, na verdade. 
Por mais que ela deixasse sua solidão opcional muito clara, as más línguas, frequentadoras dos mesmos bares que ela, diziam que se tratava de uma amante. Amante profissional, no estilo prostituta de luxo. E se quer saber, ela nem se preocupava em desmentir essas histórias. Só dizia que isso era fruto de mentes pequenas. E estava certa.
Sabiam muito dela. Ou pensavam saber. O que ninguém sabia era o que, na realidade, se escondia dentre aquele sorriso fechado e aquela armadura de rancor. Sempre deixou oculto o motivo de tanta frieza. E preferiu deixar assim pra sempre. Ou pelo menos, enquanto vivesse.
"Enquanto eu viver... Enquanto eu viver..." Repetia com cada vez mais frequência, transformando assim, essa simples frase em um convite tentador ao suicídio. Porém, já sabia que de nada adiantaria fugir de seus problemas. Sabia que eles o acompanhariam aonde quer que fosse. E, na verdade, sempre sonhou em deixar um legado a ser descoberto após a sua morte.
O fato é que, por trás daquela imponência exterior , havia uma boêmia apaixonada, que colecionava canecas e cinzeiros. Escrevia poesias e compunha músicas. Sempre tocava seu velho violão pela madrugada, fria e silenciosa, depois que todos tivessem-se posto a dormir. Gostava de olhar estrelas e imaginar-se em viagens intergaláticas. E principalmente, pensar em quando encontraria o amor. Um alguém para compartilhar alegrias e a conta do condomínio.
Já encontrara o amor uma vez, e foi decepcionante. Ele se foi junto com o seu futuro e suas perspectivas. E provavelmente isso tenha sido o motivo de sua petrificação. 
"Será que eu devo dar uma nova chance ao sentimento?" Pensou. E essa questão ecoou em sua mente, madrugada adentro. 
Apanhou seu gato e foi para a mesa da sacada. Acendeu um cigarro e começou a transcrever seus melhores poemas e músicas. Terminado o trabalho, anexou tudo à um álbum de fotos antigas, antes trancado à sete chaves. 
Deixou seu gato ali mesmo, e partiu para a rua. Sequer deu-se ao trabalho de trancar a porta. Parecia realizada. E estava. AQUELE era o seu legado.
Chegou à um bar. Particularmente, seu preferido. E pediu uma dose de whiskey. Tirou de sua bolsa um frasco suspeito e o misturou ao líquido do copo. O barman, velho conhecido, que porém jamais havia trocado uma só palavra com a garota, mostrou-se preocupado e resolveu perguntar:
- Ei, o que você misturou ai? Parece perigoso.
Ela respondeu em tom alegre, e com um grande sorriso sarcástico estampado em seu rosto:
- É um remédio. Para dor de cabeça. Ela nunca mais tornará a incomodar. NUNCA MAIS. 
As palavras soaram sombrias, mas o homem nem teve tempo de tomar alguma atitude sobre isso. A garota virou a dose de uma só vez, sem ao menos respirar.
O veneno era de efeito rápido, o que deu-a apenas alguns segundos para dizer o que almejava. Enquanto isso, ele a observava sem ação. 
Ela foi entregando-lhe lentamente seu álbum velho de lembranças, dizendo:
- Você é responsável pela minha memória. Não me decepcione.
Logo após o ponto final de sua última fala, literalmente, debruçou-se no balcão, fechando seus olhos. 
Era o fim. E também, um novo começo.

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